quinta-feira, 30 de abril de 2020

Lágrimas de Amor e Café - Babi A. Sette

Lágrimas de Amor e Café é um livro para quem quer um romance histórico confortável. O livro narra a história de Angelina, uma italiana que, devido a precária situação econômica da sua família, se vê obrigada a se casar com Pedro, um grande barão do café. Pedro se apresenta apaixonado , entrega um bom dote para a família da italiana e a coloca a esposa nova em um navio em direção ao porto de Santos.

A história se passa no início do século XX e atravessa o início do declínio do império do café, ainda com fortes raízes escravocratas. Acompanhamos a substituição de mão de obra escrava pela semi-escrava, laborada por mãos italianas e os conflitos entre a promessa de prosperidade a realidade daqueles que tiveram que se submeter a práticas precárias nos campos de café. Além disso, vemos com Babi Sette a busca por status de uma elite que se construiu mimetizando a aristocracia europeia que, curiosamente, ansiava por uma linhagem incompatível com as misturas brasileiras. Neste livro acompanhamos a submissão da jovem Angelina aos abusos do seu marido Pedro enquanto ela se apaixona pelo conterrâneo Vicenzo, e decide se deve se entregar a esse amor proibido.

Quanto às minhas percepções sobre o livro: é uma história previsível, uma explícita releitura de Romeu e Julieta que nos leva por caminhos que facilmente antevemos no decorrer da leitura. A escrita é extremamente simples e repetitiva, o que acaba sendo realmente cansativo. Além disso, a autora explora pouco as aspectos além do amor de Romeu e Julieta, quer dizer, Angelina e Vicenzo. Isto é, não temos acesso à descrições sobre a casa grande a vida cotidiana dos personagens. Parece que tudo se resume a amar, transar e sofrer por amor.

O livro pode agradar a leitores mais românticos que tem o seu coração aquecido por um filme estilo sessão da tarde.

Nota: 2/5
Editora: Verus
Páginas: 376

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Amphitryon - Ignacio Padilla

Um livro muito difícil de resenhar. Escrito com maestria, segue uma história que transcorre todo o século XXI e cujo tema principal está em constante mutação. As informações são disponibilizadas homeopaticamente e em momentos selecionados para o leitor se sentir no lugar de um conspiracionista, e a cada mudança de narrador - 4 no total - dificilmente as teorias elaboradas se sustentam.
Qual o mistério? Na realidade são vários, sendo que revelar a existência de qualquer um deles seria um spoiler covarde, e aí minha dificuldade de escrever qualquer coisa sobre a obra. A boa notícia é que já nas primeiras páginas é possível perceber a qualidade técnica e artística do autor, e continuar a leitura é ato automático. É incrível como tanta coisa acontece e tantas reviravoltas são possíveis em menos de 200 páginas. Muito recomendado aos fãs de mistérios e ficção histórica relacionada às grandes guerras.

Nota: 3,5/5

domingo, 26 de abril de 2020

Ún1ca Filha - Anna Snoekstra

Rebeca Winter estava desaparecida há 11 anos quando uma foragida, pega roubando comida em um supermercado, se aproveita da assustadora semelhança para assumir a sua identidade e fugir da prisão. Ao afirmar que foi sequestrada, Bec tem as dificuldades de se esquivar das investigações comandadas por Andopolis e convencer amigos e família a verdade das suas alegações.

Imergir na vida da desaparecida torna-se um desafio ainda maior quando a falsa Rebeca começa a se sentir ameaçada. De certo o responsável pelo desaparecimento da garota nunca fora descoberto. Por conseguinte, nada impediria que ele também estivesse obstinado a colocar a sua vida em risco.

A parte inicial do livro é envolvente. Os capítulos alternam a narração em primeira pessoa,  na voz da falsa Rebeca Winter, tentando reconstruir a personalidade e a vida da sua cópia desaparecida. A narração em terceira pessoa nos aproxima de quem foi a verdadeira Bec, nos deixando ansiosos para descobrir o seu paradeiro. Essa dupla narrativa nos coloca na paradoxal situação de torcer pela segurança e sucesso das duas personagens.

A parte final do livro é comparativamente mais dinâmica. Os capítulos passam a ser curtos, movimentados e cheios daquelas reviravoltas que nos fazem soltar palavrões involuntários ao longo da leitura.

O livro conseguiu me prender mesmo depois de ingerir dois dorflex em um domingo preguiçoso. Recomendo.

Nota: 4/5
Editora: Harper Collins
Páginas: 256

sábado, 25 de abril de 2020

Artemis - Andy Weir

Resumo do livro: uma saudita soldando peças na Lua.

Antes de começar com a resenha propriamente dita, preciso confessar: ficção científica está (muito) longe da minha zona de conforto. Sendo assim, o início da leitura exigiu um grande esforço para me acostumar à atmosfera lunar e às regras físicas, químicas e sociais das relações em Artemis.

Este livro foi escrito por um homem e tem quase que exclusivamente personagens masculinos. É certo que Jazz, a personagem principal, é uma jovem mulher de 26 anos mas.. confesso que não me convenceu como mulher. E veja bem.. não estou entrando em detalhes sexistas. A partir da minha perspectiva, Weir não conseguiu acumular a sensibilidade necessária para construir adequadamente um personagem do sexo oposto.

Ainda no que se refere à construção dos personagens, os autor os caracteriza pela sua nacionalidade. Parece que, de alguma forma, é suficiente descrevê-los como "sauditas", "ucranianos", "brasileiros", "quenianos" o que, além de não ajudar a criar proximidade com os personagens, nos deixa com a incômoda sensação de que o autor se acomodou nos estereótipos raciais - e de forma muito inadequada.

Os vilões do livro fazem parte de um cartel/máfia brasileira da família Sanchez que fica em Manaus (?) - será que Andy Weir sabe que a máfia não chega a ser realmente um problema brasileiro e que Sanchez pode ser até um sobrenome comum nos países que se avizinham a nós, mas certamente não no Brasil? 

A história não cativa, a personagem perde muito tempo resolvendo problemas técnicos e o autor força um senso de humor que é, honestamente, cansativo. Leitura desagradável.


Nota: 1/5
Editora: Arqueiro
Páginas: 304

O Ano da Lebre - Arto Paasilinna

Um homem atropela uma lebre, tem uma epifania e muda completamente de vida, aprontando altas confusões. Esse é um resumo honesto da obra.
Escrito quando o autor tinha 33 anos, é um coming of age da meia-idade, onde o protagonista está maduro o suficiente para perceber que a vida conquistada não é exatamente a prometida, e as aventuras da liberdade são superiores à rotina do dia a dia.
Embora totalmente inverossímeis (o protagonista sobrevive a dois ataques de ursos), cada causo contado é cirurgicamente preciso na experiência masculina. O valor do companheirismo, da palavra e dos costumes mais ancestrais entre os homens é presente e imutável durante toda a leitura.
Alguns personagens cativantes até são apresentados, mas além do protagonista e sua lebre, certamente a Finlândia rouba a cena, com suas florestas, rios, vilarejos e campos nevados. São tantos os deslocamentos que dá vontade de ler acompanhado de um mapa. A vida selvagem também é bem representada, tanto dos homens que vivem da terra inóspita quanto dos animais nativos. 
Infelizmente a qualidade das virtudes apresentadas não estão acompanhadas no mesmo nível pela qualidade da escrita, que é superficial e sem grandes desafios, fazendo que a obra se torne uma leitura rápida, possível de se terminar em duas sentadas. A única surpresa é, ao terminar o livro, ler um relato do autor que a história é baseada em fatos reais e entrevistas com o protagonista. Papo furado, mas me pegou, bem bolado.

Nota: 3,5/5

O Milagre - Emma Donoghue

O Milagre é um livro sobre o preço da fé. Um vilarejo no interior da Irlanda contrata uma enfermeira Inglesa para vigiar uma menina que não come desde o seu aniversário de 11 anos, há 4 meses. Apesar disso, a criança, supostamente, goza de perfeita saúde física. Lib é uma cética de formação anglicana que imerge na realidade católica fervorosa da Irlanda do século XIX e, conjuntamente com uma freira local, tem o trabalho de garantir que a menina não ingira nenhuma forma de alimento pelas próximas duas semanas. 

As duas deveriam atestar o milagre da menina que não come. O trabalho das mulheres seria contrário aos princípios da sua profissão: impedir a vida, ao invés de preservá-la. E este é o grande dilema de Lib ao longo do livro. Formada no grupo da Nightingale, Lib é a única de toda a equipe médica que adota métodos científicos para acompanhar os parâmetros da pequena Anna ao longo dos dias em que esteve sob seus cuidados. 

Enquanto a equipe médica abraça teorias absurdas, os grupos religiosos defendem a santidade da menina, a enfermeira inglesa acompanha o definhar da frágil criança, que parece se acelerar durante a vigília.

O livro tem uma velocidade extremamente lenta e acompanha a rotina pouco estimulante e extremamente religiosa da Irlanda rural. Dia após dia Lib anota os parâmetros da menina, procura por possíveis esconderijos de alimentos, ouve das rezas da família e retorna para a sua pensão esperar pelo próximo turno. Enquanto isso nos questionamos sobre o que de fato ocorre com a pequena Anna: seria ela um milagre?

Nota: 3,5/5
Editora: Verus
Páginas: 264

domingo, 19 de abril de 2020

A Viúva - Fiona Barton

A Viúva me lembrou a história da pequena Madeleine MacClann, desaparecida na Inglaterra há mais de uma década, pelas características físicas da criança, mas, sobretudo, pelo engajamento da mídia no caso. 

Bella Elliot tinha dois anos e brincava, sem supervisão, com o seu gato de estimação  quando desapareceu do quintal de casa. A jovem mãe solteira Dawn Elliot entrou imediatamente em contato com a polícia e o detetive Bob Sparkes se responsabilizou pelo caso. Engajado em descobrir o que aconteceu com a criança, o policial mobilizou a equipe e os seus contatos com a imprensa para encontrá-la. A jornalista Kate Waters desempenhou um papel importante na investigação.


A história começa com a informação de que o principal suspeito pelo desaparecimento da criança morreu vítima de um acidente. Glen conseguiu se safar de um julgamento embora comprovadamente tenha consumido pornografia envolvendo menores na internet - um pedófilo. Anos de investigação não conseguiram colocar o cara atrás das grades e agora ele estava morto. A única pessoa capaz de contar o que realmente ocorreu com a pequena Bella era a sua viúva, Jean. Conforme a história se desenrola, nos questionamos sobre o quanto a esposa realmente conhece o seu marido.

A Viúva é um livro de investigação policial conduzido a partir de três narradores: e viúva e a jornalista Kate, em primeira pessoa; e um narrador onisciente que conta a descrição do inquérito e claramente enfoca no detetive Sparkes.

Este é um livro sobre controle. Jean se apaixonou por Glen no liminar entre o final da adolescência e o início da vida adulta. Sedutor, o rapaz conseguiu convencer a família a aceitar o casamento e a menina, sem chance de desenvolver a sua autonomia, viveu à sombra do marido até o final da sua vida, 20 anos depois. A mulher era encantada e se deixava conduzir por um homem que decidia cada aspecto da sua rotina: o que comprar, como arrumar a casa, como se vestir e maquiar. Glen se construiu como o marido perfeito e zeloso. E Jean acreditou nisso até as investigações colocarem a sua pequena família no centro do caso.

Sufocamo-nos com Jean. Vemos uma mulher dominada que é invadida pelo marido, pela polícia, pelos jornalistas e pela população enfurecida. Uma mulher que não sabe a quem recorrer, não tem mais amigos, está sozinha. Adentramos no seu pesadelo sem fim enquanto, curiosos, tentamos desvendar o mistério: onde está Bella Elliot?

Nota: 4/5
Páginas: 304
Editora: Intrínseca

sábado, 18 de abril de 2020

Açúcar de Melancia - Richard Brautigan

A edição que li - maravilhosa, por sinal - vinha com um breve comentário de Murakami comparando o estilo do autor à Kurt Vonnegut. Deveria ser aviso suficiente para me manter longe, já que detesto nunca entendi a graça de Vonnegut. Porém, como comprei online tendo como referência uma miniatura idêntica a essa aí na esquerda, me passou batido a recomendação de Murakami: não compre, pode ter dragões.
Brautigan tem um estilo que me incomoda ao extremo: infantil. Se é de propósito ou não, não me interessa, acho ruim. Deve ter alguém que goste. E é muito estranho pensar que alguém goste de descrições infantis de assassinatos familiares ou suicídios grupais. Os capítulos, se é que podemos chamar assim, de meia página faziam meu instinto de preservação querer abortar a leitura, pior ainda quando o próximo "capítulo" só começava na outra folha! Nossa, quantos árvores morreram metade à toa. Talvez a edição não seja tão boa assim afinal.
Voltando à obra: Aqui reina o absurdo. Mas não aquele absurdo bem trabalhado, como um filme que dá vontade de ver a versão comentada pelo diretor depois... é aquele absurdo nas coxas, com um sentido tão raso (minuciosamente explicado em umas 10 páginas num posfácio, olha a dificuldade) que era até melhor não ter, pelo menos nisso o Vonnegut sai na vantagem. Sabe quando sua namorada pede pra você contar uma história para dormir e você engata num conto em que Miro, o vampiro sai pelas ruas da Tailândia procurando sangue humano temperado com molho de tamarindo? Imagino que não, mas é essa  a pegada do livro.
Tem dragões, espero que esteja escrito grande o suficiente aqui.

Nota: 1,5/5 

Marina - Carlos Ruiz Zafón

Óscar é um adolescente de 15 anos que foi largado em um internato em Barcelona pelos seus pais displicentes. A válvula de escape da sua rotina educacional reside nas suas pequenas fugas entre o término das suas aulas e o horário de jantar na instituição. Em uma das suas andanças pela cidade, o menino se deparou com um antigo casarão pertencente à descendentes de uma próspera burguesia, mas que viviam tempos de decadência. Recebido por um gato assassino e uma música enfeitiçadora, Óscar invadiu o ambiente e, sem perceber, roubou um antigo relógio da família.

Ao retornar para devolver a valiosa joia, o adolescente começou a desenvolver uma amizade com Marina, a encantadora menina da sua idade, e o melancólico e frágil Gérman, seu pai. Esse é um livro de memórias e, conforme o próprio Zafón afirma, as lembranças tem a característica de nos remeter ao que nunca aconteceu. Isso justifica a aura de incredulidade dos elementos que rodeiam o texto - e a própria história.

Quando peguei Marina nas mãos, imaginei que se trataria de um romance. A história da paixão de Óscar por Marina é uma parcela da aventura que os dois viveram na Buenos Aires do século XX. Uma mulher de preto em um cemitério, o significado da borboleta negra e uma estufa de bonecos deformados fazem parte da trama que os dois jovens tentam desvendar.

Todavia, não posso dizer que a leitura me agradou. Trata-se de um livro de mistério sem suspense, com uma história que se desenrola em uma velocidade demasiadamente lenta. Os momentos de ação não acompanham o dinamismo necessário para prender o leitor à leitura. Além disso, o livro é cheio de descrições metafóricas. O autor não descreve as coisas pelo que elas são, mas por aquilo que elas remetem. No início da leitura parece uma abordagem interessante, mas que rapidamente torna-se excessivamente enfadonha.

Nota: 2,5/5
Editora: Objetiva
Páginas: 189

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Deve ter sido alguma coisa que eu comi - Jeffrey Steingarten

Anos atrás era uma mania nacional comprar revistas Playboy para poder ler os grandes artigos e entrevistas que a publicação trazia. Imagino que nos Estados Unidos a revista Vogue tinha uma grande parcela de seus leitores graças ao textos de temática culinária de Jeffrey Steingarten, reunidos nessa obra. Na realidade este é o segundo livro, o que me leva a pensar se os textos que gostei foram considerados não bons o suficiente para figurar na seleção inaugural.
Bom, o sentimento geral durante a leitura é a inveja. Quem não gostaria de poder relembrar jantares nos melhores restaurantes, aventuras com os mais renomados chefs, viagens de explorações culinárias, experimentos malucos e banquetes pantagruélicos? Se isso não bastasse, o autor ainda averigua teses científicas e pesquisa crenças populares relacionadas à comida ao ponto de reproduzir - e compartilhar - receitas memoráveis no livro. O que diminui um pouco o sentimento e aquece a alma é que, mesmo não sendo eu, é uma pessoa de excelente espírito, bom gosto e extremamente habilidoso com as palavras que teve a oportunidade de desfrutar dessa vida indulgente.
Cada texto tem um assunto bem definido e quase sempre interessante: chocolate, lagostas, caviar, churrasco, queijo, remédios para emagrecer, comida mexicana, tailandesa, fazendas orgânicas, sushi, frango, ganso, café, comida de avião, sal, pão, porco, sanduíches, pizza, até comida de cachorro! O que terá sobrado pra ele falar no primeiro livro? Não leia com fome, inevitavelmente você vai atacar a geladeira e comer algo insosso enquanto lê sobre um jantar no melhor restaurante francês. Já falei que esse livro me deu muita inveja?
Os textos datam do final da década de 90 e início dos anos 2000, logo durante a leitura é perceptível que algumas coisas mudaram, outras se mantiveram e o autor ou entende muito do métier ou tem uma bola de cristal: algumas previsões e preocupações estão mais do que nunca em voga (vogue? rá!), como o vegetarianismo, o cuidado com a qualidade dos ingredientes, a celebração dos chefs, a evolução dos gadgets e a globalização da culinária. Se me falassem que alguns textos eram dessa semana, eu acreditaria.
Recomendado para quem gosta de culinária, bom humor e salpicadas de divulgação científica.

Nota: 4/5

terça-feira, 14 de abril de 2020

Vox - Christina Dalcher

Preciso dizer que este livro me incomodou, e não pelas razões esperadas para uma distopia feminista. Vox descreve o cenário em que as previsões feministas mais extremas se concretizam com a eleição do presidente norte americano Myers (que todas as pistas nos indicam se tratar do atual presidente Trump). Claramente influenciado por O Conto da Aia, nesta distopia as mulheres tem uma cota diária de 100 palavras por dia, contabilizadas em um bracelete que fornece a usuária choques fortíssimos a cada acréscimo desse limite. O destino das mulheres é casar, ir para locais de trabalho forçado ou morrer.

Nesse contexto, a Dra. Jean McClellan é convocada para desenvolver um soro com a função de curar doença do irmão do presidente, que o impede de verbalizar frases coerentes. Em uma busca pela sua própria liberdade, e pelo direito da filha Sônia, de 6 anos, poder falar mais do que 100 palavras diárias, Jean aceita o trabalho e busca uma solução para a situação política norte americana.

O livro peca na falta de sofisticação: nos sentimos lendo panfletos feministas da internet. Os personagens são excessivamente simples, o enredo é raso e recheado de frases de efeito. Os personagens são precariamente construídos e a história se desenha em um caminho previsível.

A autora reforça ao longo de toda a história que a eleição do presidente (e a sua drástica consequência política e social para as mulheres) não teria ocorrido se Jean tivesse saído da sua zona de conforto e ido às ruas protestar. E eu me questiono se a culpa de um sistema opressivo se deve unicamente à falta de mulheres nas ruas.

Acredito que esse livro teria sido muito mais interessante se retratasse a perspectiva da vizinha submissa da protagonista - Olivia King -, ou até mesmo da pequena Sônia que chega empolgada da escola por ter recebido um prêmio pela menor quantidade de palavras contabilizadas na sua turma.

Infelizmente não foi uma boa leitura.

Nota: 1/5
Páginas: 320
Editora: Arqueiro



Final do Jogo - Julio Cortázar

Um livro de contos com um tempero a mais: É dividido em três partes, que aumentam gradativamente a dificuldade de compreender e aceitar o que o autor propõe. Incrivelmente essa mecânica funciona muito bem, despertando a curiosidade do leitor e reações próximas a "pode ficar mais maluco que isso"? Sim, sempre pode.
A regra geral é o tema da morte. Os primeiros textos são mais cômicos, porém  revelam a genialidade do autor na arte da escrita, que consegue tanto desenrolar em apenas 3 páginas um suspense quanto enrolar em 10 o simples ato de tentar colocar um casaco. Já na segunda parte somos apresentados a um lado mais misterioso, intrincado e sobrenatural, que leva o leitor a passar por concertos, navios e lutas de boxe. Ao final, estão os contos que mesclam todas essas facetas e ainda adicionam uma grande dose de incredulidade, quase sempre com um final inesperado e com um teor altamente reflexivo que tende a atrapalhar a leitura do início do conto seguinte. O conto final, que não a toa dá o título ao livro, é uma obra prima que surpreende pela forma e inventividade. 
Diria que dos 18 contos, apenas 3 não me agradaram e 5 estão entre os melhores que já li, então é um livro e autor que recomendo altamente.

Nota: 4/5

domingo, 12 de abril de 2020

O Urso e o Rouxinol - Katherine Arden

O Urso e o Rouxinol é uma joia literária. A americana Katherine Arden conseguiu captar a essência dos contos de fadas russos em uma história completa que abarca magia, romance, ação em uma trama complexa e bem trabalhada. A autora consegue chegar a um nível de detalhes que permite com que vejamos os eventos acontecendo com enorme precisão, mas sem tornar a leitura cansativa e lenta.

O livro conta a história da pequena Vasilisa, predestinada a um futuro grandioso e de liberdade. Com Vasilisa, cavalgamos pelas florestas frias do norte da Rússia e conhecemos as figuras folclóricas que coexistem com a fé católica no vilarejo rural. Viajamos por um universo em que as mulheres estão fadadas à prisão doméstica e vemos o nascimento e o crescimento de uma heroína não convencional: feia mas encantadora, forte e sensível, eque não esquece das figuras sobrenaturais (deuses ou demônios?) que há incontáveis gerações protegem e resguardam o seu povo. 

Ler o Urso e o Rouxinol é como imergir em uma mistura de conto de fadas da Baba Yaga, embalada pelos clássicos russos, mas com uma roupagem confortável para jovens leitores. Espero com ansiedade continuar a história com A Menina na Torre.

Este livro me deu a liberdade que me é vedada em momentos de quarentena.  

Nota: 5/5

sábado, 11 de abril de 2020

Zazie no Metrô - Raymond Queneau

Uma criança vai passar alguns dias com seu tio em Paris, com a única vontade de conhecer o metrô. Acontece que o metrô está em greve e a história se desenrola em eventos improváveis e curiosos. Esse seria um resumo honesto do enredo, porém o enredo é a parte mais insignificante do livro.
Estava querendo ler algo de Raymond Queneau há algum tempo, desde que tive ciência da Oulipo, uma corrente literária que me pareceu interessante. Zazie é uma obra de 1959, enquanto a Oulipo foi apenas fundada em 1960, ou seja, meio que não valeu. Espero me aprofundar e escrever mais sobre o assunto quando resenhar alguma obra ligada diretamente à corrente, provavelmente algo de Georges Perec em breve. Mas valeu um pouquinho, pois Queneau já demonstrava aqui sua vontade de inovar com a escrita em diversos níveis, passando pela ortografia, neologismos e inúmeras metalinguagens. Embora ainda livre de suas famosas contraintes, elas estão ali, só esperando serem vistas.
Zazie, uma menina boca-suja e endiabrada, seu tio vigia noturno e drag-queen, o policial que é preso, o papagaio Laverdure , são todos personagens tão impossíveis na mesma medida que são desejáveis. Um livro leve e divertido, como diria Zazie, bom pra caralho.
Um adendo não muito comum nas minhas resenhas: A edição que li, da Cosac Naify, é talvez o livro mais bem trabalhado que tive em mãos. O trabalho estético, único em literalmente cada página dupla, é de bater palmas. Recomendo fortemente a escolha para tal edição.

Nota: 4/5

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Amar, Verbo Intransitivo - Mário de Andrade

Acho que não é vergonha alguma dizer que eu não entendi boa parte do livro. Não domino parte das referências artísticas e literárias alemãs, e a linguagem foi um desafio. O texto começou a fazer algum sentido por volta da página 40, quando senti que havia dominado razoavelmente o estilo do autor.

A história é sobre uma família que contrata uma "professora de amor" para o seu filho mais velho, Carlos. O objetivo ensinar o menino a se precaver contra a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (a sífilis era um problema sério no início do século XX). O menino nada sabia sobre o verdadeiro papel da Fräulein na família. A princípio ela era governanta, professora de piano e de alemão. Com o tempo, Carlos mergulha no caso arranjado pelos seus pais.

Preciso dizer que é uma delícia acompanhar a paixão do menino Carlos pela sua Fräulein. Os primeiros toques, a recusa da entrega, enfim, o desenrolar do amor juvenil. Mário de Andrade descreve a relação dos dois com um grau de sutileza que faz o coração acelerar e permite com que vivamos, junto com Carlos, as sensações de um amor juvenil.

Evidentemente, não sou capaz de avaliar um clássico. Mas definitivamente vale a pena insistir nessa obra!

quarta-feira, 8 de abril de 2020

O Reino da Fala - Tom Wolfe

Tom Wolfe é um grande jornalista. Talvez uns dos melhores que já passou pela terra. Essa era minha impressão após ler The Right Stuff e Back to Blood. E era isso que eu esperava ver em ação novamente em O Reino da Fala. E que surpresa boa, descobri mais uma faceta genial do autor: a divulgação científica.
O tema do livro é a linguagem. Mas ela aparece somente quando necessária, Wolfe sabe que é preciso preparar o terreno antes de, nas últimas páginas, apresentar sua engenhosa teoria de forma que não pareça simplória demais. Dividida em duas partes, a obra começa com uma crítica à teoria da evolução e Darwin. Uma crítica, na verdade, menos da teoria da evolução e mais do seu uso, e menos da figura histórica de Darwin e mais da sua posição social. Tudo se cruza nas diversas referências caprichosamente detalhadas de cartas, documentos e diálogos prováveis reunidos com maestria. A vida privada de Darwin e suas atividades acadêmicas são expostas de uma forma que até então eu jamais tinha visto. O objetivo é delimitar a diferença entre o trabalho intelectual exercido por ele e o trabalho de campo feito por ilustres anônimos que, a milhares de quilômetros, tornou possível a produção da teoria da evolução. E, claro, utilizar isto na parte seguinte.
A vítima da segunda parte é Noam Chomsky. O linguista e ativista que em determinado ponto se tornou a referência na área, dizendo ter esquematizado e descoberto todo o conjunto linguístico em uma teoria universal - e que não por acaso estava ligado à evolução. Tudo isso, sem trabalho de campo. Eu jamais gostaria de ter Wolfe como inimigo. São páginas e páginas de destruição da personalidade e trabalho de Chomsky, culminando na apresentação de sua antítese, Daniel Everett, que provou nas aldeias amazônicas que tudo que imaginávamos saber sobre linguística estava equivocado. E aí, com tudo destruído, chegamos na teoria mneumônica que Wolfe diz acreditar. Se eu acredito? Honestamente não fiquei convencido, mas fiquei interessado, o mais importante após ler uma obra de divulgação científica. Everett e Chomsky estão na minha lista de leitura agora, graças a Wolfe. Bom trabalho.

Nota: 4/5 

Graça & Maldição - Laure Eve

Graça & Maldição é um suspense infanto-juvenil que tem como personagem principal a autodenominada River, uma menina nova na cidade praiana que serve de cenário à história. O motivo da sua mudança não está claro no início da história, mas teve como consequência a ausência do seu pai e o distanciamento emocional da sua mãe. River começa as aulas no meio do ano letivo e, como os demais cidadãos daquela localidade, se apaixona pelos mistérios em torno da família Grace e cria um vínculo especial de amizade com Summer, uma das três adolescentes da família. Como consequência, a nossa protagonista desenvolve um desejo de querer pertencer àquela família mais do que a qualquer outra coisa.

Para os leitores adultos, o livro pode incomodar pelo excesso de superlativos, vícios de linguagem juvenis e diálogos pouco eruditos. Por outro lado, o livro tem o poder de nos levar de volta a adolescência, um momento em que tudo parece mágico e intenso. Com River, nos relembramos que crescer envolve a disputa interna entre o desejo por autonomia, por nos desenvolver enquanto indivíduos particulares, e, por outro lado, por querer participar de um grupo. Mais ainda, relembramos da intensidade dos amores, amizades e sofrimentos nessa fase da vida.

Pelo pouco que eu me lembro, esse livro tem muitas similaridades com crepúsculo, então pode atrair os fãs da série. O livro é recomendado para jovens e para todos aqueles que estão a procura de uma leitura leve que nos deixa com uma sensação gostosa de nostalgia de uma época tão revolucionária como a adolescência.

Editora: Galera
Páginas: 348
Nota: 3/5

segunda-feira, 6 de abril de 2020

A Filosofia Americana - Giovanna Borradori

Quando completei dez anos de idade, pedi de presente o livro Crime e Castigo. Claro, ao chegar nesse ponto de maturidade de precisar de dois dígitos para demonstrar o quão velho estava, era preciso encarar obras literárias mais densas e de melhor reputação que Harry Potter e afins. Ganhei o livro, comecei a ler, não entendi nada e eventualmente larguei. Li muito antes do tempo que devia. A única diferença da minha leitura de A Filosofia Americana é que dessa vez não larguei e fui até o final.
A autora, uma especialista em filosofia contemporânea, entrevista nomes importantes do cenário americano e tenta com eles definir o que torna a vertente americana peculiar. Temas recorrentes são a fuga da grande guerra, religião, dinheiro e diferenças teóricas em relação às tradições britânicas e continentais. Pessoalmente, só conhecia (e admirava ao menos parte da obra) Nozick e Kuhn, e por me faltar uma base teórica de filosofia analítica e metafísica admito que fiquei boiando grande parte do tempo.
Não tenho a menor condição de dar nota, e só recomendo para quem tem bom conhecimento prévio da área.

sábado, 4 de abril de 2020

A Madona de Cedro - Antonio Callado

Anos atrás, em um curto espaço de tempo. dois professores me sugeriram o mesmo livro: Quarup, de Antonio Callado. Um, mais (totalmente) de esquerda, dizia que era o melhor livro que já havia lido. O outro, mais (totalmente) de direita, proclamava o autor como o último grande escritor brasileiro. Confrontado com a coincidência insólita, cedi e li a bendita obra. Em tempos em que a propagação da escrita está tão popularizada nas mãos de pessoas menos letradas e também de profissionais tão abaixo do preparo esperado, a arte de Antonio Callado surge como um oásis e reverberação de um passado mais zelador da língua portuguesa.
Mas essa não é uma resenha do Quarup. A Madona de Cedro foi escrita longínquos dez anos antes, já iniciando a característica marcante na carreira do autor (não quero ficar falando da vida dele, mas o cara foi ser correspondente internacional na Europa em plena Segunda Guerra, passou raspando de umas bombas) de escrever obras genuinamente brasileiras, retratando lugares, costumes e personagens facilmente identificáveis por seus compatriotas. Para quem conhece o Rio de Janeiro e a região histórica de Minas Gerais, principalmente Congonhas, esse livro é um prato cheio.
Aqui, os temas principais são os dilemas morais decorrentes da religião. Uma série de roubos de obras de arte sacras é o que desencadeia toda a ação. Embora formado em direito, o autor não se interessa pela justiça dos homens, e cria uma trama em forma de thriller inteiramente baseada nos conceitos católicos de comunhão, confissão e perdão, que perturbam a todo momento o protagonista. Cada um dos personagens secundários tem um arco e uma função muito bem definidos, passando a impressão que sua ausência tornaria toda a trama impossível ou insolúvel. Talvez um conhecimento prévio da religião e das obras de arte do período barroco mineiro sejam necessários para uma melhor compreensão, mas nada muito aprofundado. Um trabalho primoroso que recomendo fortemente para todos que desejam um bom livro com DNA tupiniquim.

Nota: 4,5/5

sexta-feira, 3 de abril de 2020

O Adulto - Gillian Flynn

O Adulto é um conto editado em formato de livro. Portanto, curtíssimo. Conta a história da profissional de sexo/vidente que é contratada por uma senhora rica para resolver problemas na sua mansão vitoriana. A história se desenvolve como um suspense, com reviravoltas típicas de um thriller na parte final do conto.

O livro começa com a trajetória da protagonista no mundo dos pequenos delitos, mas perde a essência da personagem no desenrolar do conto. Fiquei com a sensação de que a personagem virou refém dos fatos. O livro não tira o fôlego e é curto demais para as reviravoltas causarem o impacto esperado de um thriller. Fiquei honestamente com a sensação de que elas foram forçadamente inseridas.

Editora: Intrínseca
Páginas: 64
Palavras-chave: conto americano; ficção americana
Nota: 3/5



A Filha do Rei do Pântano - Karen Dionne

Helena é filha de um sequestrador com uma adolescente em cativeiro. Embora Helena tivesse vivido 12 anos com seus pais no pântano e fosse objetivamente proibida de sair, ela não compartilhava o mesmo cativeiro da sua progenitora. Foi singularmente feliz na sua infância na natureza, no universo criado sob os moldes do seu pai.


Com um surpreendente domínio da escrita, Karen Dionne nos leva a duas direções. Os capítulos sem título narram o movimento presente da história em direção ao futuro da personagem: uma mulher, casada e com dois filhos que descobre que o seu pai e sequestrador fugiu da prisão de segurança máxima e se engaja em uma jornada para detê-lo. Nos capítulos denominados "A Cabana", Helena relembra a sua história no pântano e nos oferece os elementos da sua infância que permitem compreender os aspectos mais contraditórios das seus sentimentos em relações aos seus pais: amor pelo pai e distanciamento emocional pela mãe.
Acredito que o título A Filha do Rei do Pântano deve-se ao nome que Helena ganhou nos tabloides, mas, sobretudo, a falta de autonomia na construção da própria identidade que a personagem foi submetida pelo seu pai narcisista, violento e controlador.

"Mas eu não vou lhe dizer o nome da minha mãe. Porque essa não é a história dela. É a minha
(p.11)."

A Filha do Rei do Pântano é aquele livro que você não quer largar, mas também não quer que acabe. Dionne solta os elementos da história na medida certa para você se fazer as perguntas certas no momento certo. Recomendo.

Editora: Verus
Páginas: 264
Palavras-chave: suspense; thriller; ficção americana
Nota: 4,5/5

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Viagem ao Harz - Heinrich Heine

Algumas pessoas precisam de motivos - desculpas - para escrever. Não sei se isso é uma consequência direta da vergonha. Talvez lhes pareça arrogante ou soberbo sair distribuindo ao mundo seus pensamentos e considerações, ou hesitam em se expor para não parecerem carentes. Em todo caso, definitivamente não é o que eu esperava de um dos maiores nomes da literatura alemã.
Viagem ao Harz é exatamente o que diz seu título: o primeiro de seus diários de viagem que se tornariam uma coleção (não pretendo ler os outros). Um leitor astuto percebe logo de início que tal diário é apenas um pretexto para dar vazão a algo anteriormente definido, levantando assim a dúvida se também a viagem por si só não teve o mesmo objetivo. Viajar para se afastar dos problemas cotidianos e espairar a mente é praticamente um clichê humano.
Pois bem, o livro é estupidamente alemão. Algumas partes fizeram tanto sentido para mim quanto um berimbau deve significar para um esquimó. E apesar disso, talvez por termos um entendimento de alguns aspectos da cultura alemã como os contos de fadas, a essência do que é dito é facilmente  compreensível. Os locais em que a "ação" ocorre são quase universais, como bares, igrejas, estalagens, estradas, florestas, e até mesmo os lugares mais distintos são reduzidos a fatores tão básicos de descrição que se tornam até familiares, como as minas de carvão e topos de montanhas.
A magia acontece mesmo é nas relações interpessoais. Estudantes parecem que estão em todos os cantos e sempre fazendo algo impróprio ou instigante. Trabalhadores estão sempre sublinhando aspectos curiosos de seu ofício. As mulheres... bem, estão sempre lá para serem admiradas. E cada personagem, que em certo ponto tem sua veracidade questionada pelo leitor mais cético, sempre levanta a bola para o autor, muito necessitado de tal oportunidade, discorrer sobre os temas mais variados. Um protótipo de Ulisses.

Nota: 3/5

A Obra de Arte na Época da Reprodutibilidade Técnica - Walter Benjamin

De tempos em tempos as mudanças de paradigmas exigem dos pensadores uma ressignificação dos conceitos. Talvez o maior alvo desse fenômeno ...