terça-feira, 14 de julho de 2020

A Obra de Arte na Época da Reprodutibilidade Técnica - Walter Benjamin

De tempos em tempos as mudanças de paradigmas exigem dos pensadores uma ressignificação dos conceitos. Talvez o maior alvo desse fenômeno seja a arte, assim como as transformações políticas do início do século XX. Esse ensaio aborda os dois, e por isso se mantém relevante até hoje, apesar de seu escopo já ser, quase cem anos depois da publicação, muito superado.
O tema principal, após uma breve introdução em marxismo e história da arte, é a disseminação das então novas artes reprodutíveis pelas massas, como o cinema, em especial pelos movimentos fascistas. Diversos exemplos de como a coletivização da arte pode ser um instrumento de controle são apresentados e, na parte final, explica-se como a politização da arte é o contra-ataque ideal para o comunismo. Nada muito profundo, mas certamente serviu de base para outros estudos posteriores.
Reconheço que tenho uma grande dificuldade, dada minha posição no futuro, de aceitar o conceito de originalidade do autor, e fico mais perplexo ainda de saber que pessoas ainda se prendem a tal noção. A obra foi escrita ainda na fase larval da sétima arte, e simplesmente não teria como captar todos os desdobramentos e evoluções que hoje em dia consideramos banais e que em muitos pontos contradizem o que está escrito. Isso para não falar nas evoluções das obras que se encaixam no conceito de "originais" e que, em um olhar mais atento ao presente, estaria em um limbo da definição. O mesmo se aplica na parte política, e quem quiser utilizar essa obra para "conhecer o passado para não repeti-lo" vai estar na verdade preso em uma visão muito limitada frente aos desafios atuais.

Nota: 3/5

domingo, 12 de julho de 2020

Fundamentos da Pena - Oswaldo H. Duek Marques

Confesso que, durante meu ainda curto tempo de estudo jurídico, ainda não consegui entender a satisfação que alguns extraem da parte penal. Enquanto alguns dos aficionados claramente se encontram no espectro do sadismo, minha impressão é que a tendência atual se volta para fatores menos punitivos e até para o abolicionismo penal, e por isso me interessei pela obra, que disseca as ideias por trás da evolução da matéria.
Dito isso, o livro é um resumo bem introdutório, que condensa milênios em 200 páginas. Seu maior valor está nas referências. Também não serve para formar opiniões sobre determinadas ideias, pois apenas os argumentos necessários para o desenvolvimento do livro são apresentados e relacionados com as mudanças ou continuidades futuras. Na realidade, não há nada descrito que deveria surpreender um aluno razoável de direito, o que torna a obra muito mais adequada para o público leigo do que merecedora de figurar na coleção de filosofia jurídica atualmente mais legal do país. Bola fora da curadoria, que não diminui em nada as qualidades do livro.
Pode ser uma leitura interessantíssima para o insólito leitor leigo em direito que tem algum interesse na história do Direito Penal. Talvez como um guia para aulas introdutórias.

Nota: 3/5

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Terroristas do Milênio - J. G. Ballard

Um livro pretensioso sem as qualidades e habilidades para ser o que gostaria. A história de um homem que perde sua ex-mulher (se é que tal coisa existe) em um atentado terrorista se entrelaça a um célula revolucionária por trás da tomada de um bairro de classe média em Londres. Pode parecer confuso, mas é tão raso que não dá nem graça.
Sem sutileza nenhuma, o autor tenta provocar uma reflexão sobre a vida vazia e entediada da classe média, e como alguma subversão, seja pela violência ou pela sexualidade, pode dar um tempero a mais. O protagonista vive todo o clichê do homem que se deixa apaixonar pelos revolucionários, para depois questionar seus métodos e por fim, no final mais óbvio que me recordo, perceber que estava sendo enganado.
Talvez possa servir para os que ainda tenham dúvidas sobre a remota possibilidade de revoluções nos moldes do século XVIII perceberem características atuais que as impeçam, mas em geral muito fraquinho e não adiciona muita coisa.

Nota: 2/5

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Linguagem: A História da Maior Invenção da Humanidade - Daniel L. Everett

Prosseguindo em minhas leituras sobre a linguagem, chegou a vez de ler atentamente a visão do antropólogo Daniel Everett. Reconheço que inicialmente me senti mais atraído pelo livro que relata suas experiências e descobertas entre as tribos amazônicas, mas depois de assistir o vídeo de uma incrível demonstração do seu método de trabalho resolvi que daria mais atenção ao que ele tem a dizer.
Desde o início do livro é perceptível a preocupação em posicionar sua teoria da linguagem com um viés não fatalista e indicar todos os passos de sua evolução dentro de um gradiente temporal. Por ser uma visão à época discordante do paradigma da linguagem, coube ao autor ser muito incisivo e persistente em seus pontos, sabendo que está comprando uma briga. Meu momento favorito é exatamente o início, em que contradiz a bíblia. A palavra "invenção" não está no título a toa, e apesar de não totalmente registrada, o que temos é mais do que suficiente para demonstrar cada um dos argumentos de que, afinal, a linguagem foi sendo criada e aperfeiçoada aos poucos pelos humanos a partir do ferramentário biológico disponível.
Com a exceção de pequenos trechos mais técnicos, o livro é facilmente entendível para um leigo, e desconfio que foi escrito visando mesmo o grande público. As quatro partes, focando no histórico evolutivo, nas adaptações biológicas, avanços das formas linguísticas e seu desenvolvimento cultural, são claramente resumos dos resumos simplificados de muitas pesquisas, mas cumprem o papel de informar o básico de forma leve e bem escrita.
Muito embora seja uma obra para puxar a sardinha para um lado, é inegável a honestidade científica do autor, que não deixa de citar as vertentes opostas sem demonstrar desprezo ou passar um ar de superioridade. Assuntos fora do escopo do livro, mas com alguma importância, são referenciados para o leitor mais curioso se virar depois. E, o que mais me impressionou, considerando a experiência biografia do autor, é que em momento algum ele se coloca no alto de um merecido pedestal durante as argumentações, se atendo apenas ao conhecimento acadêmico.
Recomendado para qualquer curioso no assunto, e um contraponto interessantíssimo à outros autores mais populares. 
Me convenceu? Em grande parte sim, em grande parte não. A jornada continua e em breve chega outro livro sobre linguagem.

Nota: 3.5/5

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Grande Hotel Abismo - Stuart Jeffries

Já no início da obra o autor adverte: não é um livro que passe perto de teorias conspiratórias. Um aviso importante, dado o tema. A Escola de Frankfurt causa as mais polarizadas reações possíveis no público, do amor incondicional ao ódio irracional, então a princípio pode parecer que o melhor caminho para explicá-la seja caminhar sobre ovos... nada mais distante do que a escolha de Stuart Jeffries. Geralmente a melhor opção para obras introdutórias sobre qualquer assunto é buscar algo escrito por alguém com tendências marxistas. Não é um regra absoluta, mas deve ter algo a ver com o apreço pelo materialismo histórico, não sei, mas o que ocorre aqui é exatamente isso: parte-se da origem das famílias dos autores para todo o contexto posterior fazer todo o sentido. Nada é poupado, desde as contradições até as hipocrisias, o que acaba valorizando e dando ares de imparcialidade aos eventuais elogios e exaltações.
Importante frisar que são escritas apenas pinceladas das teorias mais importantes. Ninguém vai sair especialista na Teoria Crítica a partir desse livro, no máximo conseguirá localizar no tempo, espaço e contexto histórico o básico de cada ideia e autor. Excelente para quem quer começar a elogiar ou falar mal com algum embasamento.
A escrita é fluida, os capítulos tem o tamanho correto para quem gosta de ir lendo aos poucos como eu, e tem a qualidade de instigar o leitor a buscar os originais comentados. Tem também a marca de um livro bem pesquisado, com deliciosas e impressionantes centenas de fontes referenciadas ao final. Extremamente recomendado aos interessados em uma introdução sobre o assunto.

Nota: 4/5

sábado, 4 de julho de 2020

Livre Para Escolher - Milton Friedman

Um livro sobre obviedades que infelizmente não são óbvias. Friedman pode parecer à primeira vista um "economista radical", que se preocupa apenas com as cifras e tortura números para extrair qualquer tipo de vantagem. Nada mais longe da realidade. Neste livro ele destrincha toda a crueldade que existe no aparente bom-mocismo de políticas econômicas populares, costumazes em sacrificar cada gota de liberdade de escolha em prol da vantagem coletiva, que sempre começam bem e terminam mal. Para os menos instruídos em economia, resumos sobre sistemas de preços, meios de produção, juros, bem estar social, inflação e impostos são colocados no meio da obra, quase disfarçados, enquanto o autor ergue suas ideias utilizando-os de base. E como só falar mal seria muito fácil, para cada problema levantado são propostas soluções engenhosas.
É fácil perceber que Friedman foi um bom professor, pois o tema "liberdade", apesar de constar no título, acompanha subliminarmente todos os assuntos abordados nas quase 450 páginas, e é bem possível esquecer que não estamos lendo uma obra puramente econômica. É um nível muito alto de sofisticação de filosofia aplicada em uma linguagem simples, acompanhando uma macroeconomia sem equações para assustar. Claro, não vai agradar os mais propensos ao coletivismo, sejam mais voltados ao marxismo ou keynesianismo (ambos muito atacados), mas, em nível de economia que funciona e embarca os conceitos mais libertários, é a base que temos para hoje. Mesmo aos discordantes, acho que vale a leitura para conhecer versões excelentes dos melhores argumentos.
Muito recomendado para qualquer um interessado em economia, seja qual for o nível.

Nota: 4/5

terça-feira, 30 de junho de 2020

O Caminho Desde A Estrutura - Thomas Kuhn

Já seria excelente se a contribuição de Kuhn para a epistemologia e a filosofia da ciência terminasse com "A Estrutura das Revoluções Científicas", porém o cidadão não parou de produzir. Nesta obra, que se divide entre uma curta atualização de suas ideias, debates e respostas aos críticos e uma entrevista bem pessoal, é possível perceber como o autor sabe aplicar suas teorias ao seu próprio trabalho.
Desde o início somos apresentados à preocupação cada vez mais constante com o conceito de incomensurabilidade. Alguns exemplos, como o da física aristotélica, são repetidos diversas vezes pelos textos. É chato e repetitivo, mas certamente fica na cabeça. A obra faz bem em resumir brevemente as críticas a que ele se opõe, e também em localizar no tempo e contextualizar cada um dos textos, que se espalham por três décadas. A evolução do pensamento existe, mas não espere nada de radical. No seu próprio conceito, diria que é um livro que segue a ciência normal. Um livro interessante de encarar nesse período atual em que a ciência parece ter algum protagonismo na discussão pública, embora no fundo esteja apenas sendo instrumentalizada politicamente de todas as formas possíveis e imagináveis. Obviamente não faz o menor sentido ler antes de encarar A Estrutura das Revoluções Científicas, e recomendaria um pouco de Popper também, pra entender melhor algumas discussões.
A última parte é quase uma biografia. Ficamos sabendo de toda a vida acadêmica e intelectual do autor, além de detalhes de sua vida pessoal por intermédio de uma entrevista. Meio chato, mas deve ter valor para alguém interessado nisso.

Nota: 3,5/5

A Obra de Arte na Época da Reprodutibilidade Técnica - Walter Benjamin

De tempos em tempos as mudanças de paradigmas exigem dos pensadores uma ressignificação dos conceitos. Talvez o maior alvo desse fenômeno ...