sábado, 4 de abril de 2020

A Madona de Cedro - Antonio Callado

Anos atrás, em um curto espaço de tempo. dois professores me sugeriram o mesmo livro: Quarup, de Antonio Callado. Um, mais (totalmente) de esquerda, dizia que era o melhor livro que já havia lido. O outro, mais (totalmente) de direita, proclamava o autor como o último grande escritor brasileiro. Confrontado com a coincidência insólita, cedi e li a bendita obra. Em tempos em que a propagação da escrita está tão popularizada nas mãos de pessoas menos letradas e também de profissionais tão abaixo do preparo esperado, a arte de Antonio Callado surge como um oásis e reverberação de um passado mais zelador da língua portuguesa.
Mas essa não é uma resenha do Quarup. A Madona de Cedro foi escrita longínquos dez anos antes, já iniciando a característica marcante na carreira do autor (não quero ficar falando da vida dele, mas o cara foi ser correspondente internacional na Europa em plena Segunda Guerra, passou raspando de umas bombas) de escrever obras genuinamente brasileiras, retratando lugares, costumes e personagens facilmente identificáveis por seus compatriotas. Para quem conhece o Rio de Janeiro e a região histórica de Minas Gerais, principalmente Congonhas, esse livro é um prato cheio.
Aqui, os temas principais são os dilemas morais decorrentes da religião. Uma série de roubos de obras de arte sacras é o que desencadeia toda a ação. Embora formado em direito, o autor não se interessa pela justiça dos homens, e cria uma trama em forma de thriller inteiramente baseada nos conceitos católicos de comunhão, confissão e perdão, que perturbam a todo momento o protagonista. Cada um dos personagens secundários tem um arco e uma função muito bem definidos, passando a impressão que sua ausência tornaria toda a trama impossível ou insolúvel. Talvez um conhecimento prévio da religião e das obras de arte do período barroco mineiro sejam necessários para uma melhor compreensão, mas nada muito aprofundado. Um trabalho primoroso que recomendo fortemente para todos que desejam um bom livro com DNA tupiniquim.

Nota: 4,5/5

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