sexta-feira, 8 de maio de 2020

Morte Súbita - Álvaro Enrigue

"Não sei, enquanto escrevo esse livro, sobre o que ele é. O que ele conta. Não é exatamente sobre uma partida de tênis. Também não é um livro sobre a lenta e misteriosa integração da América àquilo que chamamos, com obscena desorientação, "o mundo ocidental" - para os americanos, a Europa fica no Oriente. Talvez seja um livro que trata apenas de como esse livro poderia ser contado, talvez todos os livros tratem apenas disso. Um livro com vaivéns, como um jogo de tênis."
Difícil resenhar esse livro depois que o próprio autor já o faz tão bem no meio da própria obra.
Morte Súbita é uma obra prima da literatura absurda ou surreal. Seu fio condutor é a fictícia, porém historicamente possível, partida de tênis em plena Piazza Navona entre os contemporâneos Caravaggio, o famoso pintor italiano do chiaroscuro, e o poeta Francisco de Quevedo. A partida por si só é irrelevante, e desconfio que só foi utilizada de palco do duelo das personalidades porque o autor é especializado na história desse esporte. Aos poucos vão sendo relevados causos que passam pela reforma anglicana e a conquista da América espanhola, histórias que o autor teve o cuidado de escrever baseado em possibilidades reais, embora totalmente inventadas e absurdas. Em alguns momentos fui até checar no Google tamanha a verossimilhança, só para descobrir que fui feito de tonto.
Conforme o livro avança, se torna possível ao leitor começar a desconfiar do motivo da partida. As personalidades dos jogadores e celebridades da audiência - como Galileu Galilei - vão sendo desenvolvidas e separadas em polos distintos que justificam o embate. Figuras históricas que surgem durante a narrativa também são analisadas, como Hernan Cortez, papas e reis, para, no final, toda a loucura fazer sentido. Mesmo com o autor se esforçando muito para criar situações absurdas, nada fica mal explicado ou em aberto. Muito recomendado para quem, como eu, está cansado do surreal fundado nele mesmo e com as outras qualidades literárias deixadas de lado.

Nota: 4/5

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