sábado, 2 de maio de 2020

A Ocasião - Juan José Saer

Não sei em qual momento a humanidade conseguiu enxergar os shows de mágica como entretenimento puro, e não exibições de poderes sobrenaturais reais. Na realidade, até hoje alguns charlatões conseguem iludir plateias incautas e dar uma de Uri Geller, o que me leva ao segundo pensamento: será que o charlatão não sabe que é um charlatão, da mesma for que um desafinado vai esperançoso a um show de talentos? Esse é o primeiro fio condutor da obra, que se inicia com a tragédia da exposição pública do charlatanismo do protagonista em um grande palco europeu.
Agora exilado e honestamente investido na construção de uma nova vida na Argentina, o herói se vê em uma incômoda situação de dúvida: teria sua mulher, em uma ocasião (belo título) específica o traído com seu sócio e melhor amigo? Pior ainda, teria ela engravidado do outro? Para um leitor de mentes, uma questão complicada. No melhor estilo Bentinho e Capitu, leia e tire sua conclusão, porque o autor nos fez o favor de não revelar.
O ponto alto da obra é a habilidade literária do autor. Não existe uma página que passe arrastada ou sem uma construção de pensamento poderosa. Nem sempre os fatos narrados estão em ordem cronológica, e algumas premissas são apresentadas muito antes de seus resultados, demonstrando o quão bem arquitetada é a trama. Somos inseridos em detalhes da vida gaúcha que somente alguém curtido nela poderia conhecer, e é possível reconhecer em cada personagem um arquétipo bem típico e desenvolvido. Existe uma espécie de conto curto no meio da obra, quase irrelevante para o enredo, onde o autor claramente quis inserir aspectos da vida na região que estariam deslocados da trama, mas para ele era importante representar. Uma história gigantesca em menos de 200 páginas.

Nota: 3,5/5

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