sábado, 21 de março de 2020

Só pode ser brincadeira, sr. Feynman! - Richard Feynman


Não sou fã de biografias. Não me interessam os pequenos detalhes das vidas alheias que tem como único propósito catalogar e informar quem fez o quê, quando e onde. Pior ainda se não for uma auto-biografia, com informações tiradas de fontes não muito confiáveis ou tendenciosas, que em geral são caça-níqueis em forma de livros estampados com grandes retratos da celebridade em ascensão ou recém-falecida. Uma regra de ouro que estou quebrando mais do que deveria atualmente: não se compra livro com foto de alguém na capa, da mesma forma que se evita capas de pôster de filme.
Dito isso, sou muito fã de livros de memórias. Quando um autor se dedica a escolher a dedo o que realmente importou de sua vida, estamos sendo presenteados com a oportunidade de, em algumas poucas horas, apreciar uma seleção de histórias que demorou uma vida inteira para ser reunida. Melhor ainda quando o autor teve uma trajetória tão singular quanto Richard Feynman.
Meu primeiro contato com esse sujeito foi através de suas famosas palestras de física, transcritas em três volumes que espantam pela abrangência e pedagogia. Não por acaso essas palestras, filmadas com tecnologia bem ultrapassada, são vistas até hoje. Em algum momento fiquei sabendo que ele havia ganho um prêmio Nobel por algum assunto incompreensível para mim, que tinha vindo ao Brasil dar aulas e que tinha histórias engraçadas. Foi com esse conhecimento que embarquei nesse livro de memórias.
 Logo se percebe que Feynman entende perfeitamente como deve funcionar um livro de memórias: só é revelado o que interessa ao autor, sua figura é construída sem a menor modéstia, seus erros são minimizados, sempre aparecendo para mostrar sua humildade de reconhecê-los, e principalmente, sua forma de ver a vida e acertos são vangloriados a todo momento. A personalidade forte, inteligência, sagacidade, bom humor (as vezes rabugice) e espírito aventureiro são os motivos constantes e que criam a figura necessária para tornar críveis as histórias contadas, que de fato parecem improváveis de ocorrerem no curso da vida de apenas uma pessoa.
A física surge em apenas momentos pontuais, assim como assuntos da vida pessoal como casamentos e mudanças, que dão lugar a experiências profissionais, encontros com figuras históricas da ciência como Einstein e Bohr, a participação no Projeto Manhattan e até a reformulação acidental na academia brasileira. Em contraposição aos grandes feitos, parte do livro é focada em pequenos problemas curiosos e divagações culturais e filosóficas através de uma lente muito racional e cartesiana.
Como todo bom livro de memórias, o leitor é exposto a bons exemplos de vida - os maus exemplo são geralmente omitidos ou tangenciados - e também infectado com novas ideias e possibilidades. Incrível como alguém com um talento gigantesco na área da ciência tenha também conseguido sintetizar tão bem na literatura sua experiência de vida.

Nota 4/5

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